sexta-feira, 18 de abril de 2008

while you're young

Durante o meu desenvolvimento intelectual e transformação em "gente" foram necessárias duas medidas para que eu me tornasse um ser humano menos intragável. Bom, até onde posso me lembrar, é claro. Foi um processo disciplinatório, supressão de impulsos infantis que invariavelmente tinham o fim de chamar a atenção. Crianças adoram atenção. Percebi a criança em mim e não gosatei. Tive que surpimir duas características de minha personalidade que ainda resistem fortes e provavelmente permanecerão por toda minha vida contribuindo, por bem ou por mal, na constituição do que gosto de chamar de "eu".
A primeira delas teve que começar a ser trabalhada na 4ª série. Nessa época eu tinha um gosto fora do normal por documentários. Chegava em casa e logo ia pra frente da televisão. Assistia qualquer coisa que estivesse passando no Discovery Channel até cair no sono ou satisfazer qualquer outro gosto, como videogames ou jogos de computadores. Nessa época, a maior parte da programação do canal ainda não tinha nos títulos termos como "sobrenatural", "detetives" ou "videntes" (hoje em dia há programas que combinam várias dessas palavras, criando títulos como "Detetives Videntes"), ou seja, apesar de um número exagerado de programas sobre a migração das zebras, o conteúdo não era dos piores. Acabei com quantidade elevada de conhecimentos inúteis nessa época que, obviamente, não podiam continuar assim! Utilizei tudo o que aprendi para fazer intervenções nas aulas ou mesmo nas raras conversas entre uma brincadeira e outra, adicionava qualquer informação remotamente relacionada com o que se dizia, não importava a forçação de barra que tivesse de ser empregada.
Ainda me lembro de uma vez em que a Tia Bete (nome clichê para professora de 4ª série que juro não ter inventado) falou algo sobre o espaço que fez com que eu me sentisse na obrigação de iluminar a vida de meus coleguinhas com um adendo sobre os novos projetos de ônubus espaciais que deveriam durar mais do que uma viagem. Um amigo comentou que também tinha visto isso na televisão, o que me deixou putíssimo visto que explicitava o caráter televisivo da minha formação intelectual.
De qualquer jeito, usei meus conhecimentos inúteis sempre que pude, cultivei a imagem de uma espécie de intelectual que permanece até hoje no imaginário de alguns de meus amigos mais antigos. O "pernosticismo" é, portanto, uma das características que eu busco reprimir. Entrei em contato com o termo quando, do banheiro, minha mãe interrompeu meu discurso sobre o sistema de esgoto de Paris e me acusou de apresentar essa característica em excesso. Não dei muita bola.
A atitude pernóstica só começou a me incomodar quando, como acontece com a maioria das características ruins que apresentamos, eu a identifiquei em outras pessoas, colegas de classe querendo dar uma de esperto. Eu só enxergava em seus comentários a tentativa de impressionar os outros e criar uma aura de sabedoria porque eu mesmo fazia a mesma coisa. Acontece que só eu podia fazer isso!
Minha atitude não sobreviveu à contradição, fui deixando de lado o reflexo de intervir em qualquer conversa com uma pérola de conhecimento. Deixei escapar, dolorosamente, diversas brechas para "adendos". Aos poucos essa característica foi ficando um pouco mais calculada, primeiro tornando minhas táticas para demonstrar sabedoria um pouco mais sofisticadas e imperceptíveis e depois palpitando só nas coisas que eu realmente achava que eu devia palpitar, sempre tomando o cuidado para detectar qualquer motivação narcisista. Continuo pernóstico, mas um pouco mais comedido e humilde, se bem que eu deva ser meio suspeito para falar de mim.
Recentemente começo a me questionar se todo esse esforço foi realmente positivo. Demonstrar conhecimento à toda hora é conviver com as informações o tempo todo, é uma motivação a mais para retê-las e isso faz com que as tenhamos sempre à mão, o que é bom. O pernosticismo, para pessoas razoavelmente inteligentes pode ser um desajuste social (sim, desajuste porque é algo muito chato e, mesmo que à primeira vista atraente, se torna irritante e repelente quando o interlocutor não é um idiota) positivo. No esforço para se mostrar inteligente a pessoa pode acabar se tornando um pouco mais. Por outro lado, não tenho certeza se pessoas inteligentes conseguem deixar de enxergar a futilidade do ato e continuar sendo pedantes...
Bom, a outra característica pentelha fica pra outro pôust.

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